Para cumprir as agendas de descarbonização da economia e de modernização do setor elétrico, o Brasil precisará reformular seus marcos regulatórios e investir mais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e eficiência energética (EE) para tornar as fontes renováveis mais competitivas, reduzir os custos das novas tecnologias e possibilitar a criação de novos modelos de negócio. Em linhas gerais, essa foi a mensagem passada pelos convidados do debate on-line promovido, nessa terça-feira (23/6), pelo Lactec e Deode, em parceria com o Canal Energia, que trazia como tema central A Retomada Econômica por meio da Inovação e Eficiência. O legado tecnológico construído até agora, a partir de projetos de P&D e EE, também foi destacado durante o evento.
O presidente do Lactec, Luiz Fernando Vianna, foi mediador do debate, junto do presidente da Deode, Frederico Araújo, e abriu o webinar lembrando que, do primeiro ano do Programa do P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para cá, os valores investidos nos projetos passaram de R$ 10 milhões para cerca de R$ 500 milhões (considerando o montante aproximado da última chamada estratégica em mobilidade elétrica). Para o executivo, essa é uma sinalização clara do amadurecimento do programa e da institucionalização desses investimentos como questão estratégica para as concessionárias, uma vez que os aprimoramentos tecnológicos têm impactado positivamente no desempenho operacional das empresas, redução de custos e em melhorias na oferta de energia para o consumidor final.
O superintendente de Smart Grid e Projetos Especiais da Copel Distribuição, Julio Omori, foi um dos debatedores que levantou a bandeira para falar da pesquisa como uma ferramenta estratégica para o desenvolvimento do setor elétrico e para a antecipação de tendências tecnológicas. Ao falar de resultados práticos dos projetos de P&D, Omori citou a melhoria substancial nos indicadores de qualidade de energia – DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) e FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora), a partir da inserção de tecnologias de automação, sensoriamento e de sistemas de apoio. “Muitos projetos de P&D buscam a eficiência operacional, melhor aproveitamento de equipamentos e também melhorias na segurança, que são pontos importantes desse legado, além da gestão de ativos, meio ambiente e redução de perdas”, acrescentou.
Omori também mencionou os projetos de P&D, que resultaram em produtos que se transformaram em soluções para o mercado, como o sensor de proximidade de rede de distribuição energizada como acessório de capacetes de segurança, desenvolvido em parceria com o Lactec, e que rendeu à Copel uma patente internacional. Lembrou também do sensor inteligente para monitoramento em tempo real das redes de distribuição, que já vem sendo aplicado nos sistemas de várias concessionárias do país. O equipamento foi desenvolvido em conjunto entre Lactec, Coelba, do Grupo Neoenergia e um parceiro industrial.
“Nós estamos em um momento ímpar, de uma mudança disruptiva muito grande dos recursos energéticos distribuídos junto com a digitalização. Sem dúvida temos um grande desafio e material inesgotável para pesquisa. Seria uma conjunção perfeita de fatos: utilizarmos bem esses recursos junto dessas grandes transformações que estamos vivenciando”, avaliou o superintendente da Copel.
Inclusão social
Para a gerente de Eficiência Energética do Grupo Neoenergia, Ana Christina Mascarenhas, que também participou do webinar como uma das debatedoras, um dos principais legados dos projetos de EE é a aproximação das distribuidoras com as comunidades e a mudança cultural na relação dessas pessoas com a energia. Ela destacou, também, o caráter educativo e inclusivo dessas iniciativas, citando como exemplo o projeto de implantação de geração solar fotovoltaica em um conjunto habitacional de baixa renda de Salvador (BA), que atende ao consumo de energia das áreas comuns dos prédios e de uma creche. “Procuramos sempre em nossos projetos aliar a eficiência junto das necessidades da população”, afirmou.
Ana lembrou, ainda, do projeto de eficiência energética no Estádio de Pituaçu, em Salvador, que previu a instalação de uma das primeiras usinas solares do país, com 630 kW de potência instalada. Essa iniciativa acabou dando subsídios importantes à elaboração da Resolução nº 482 da Aneel – que regulamentou a geração distribuída no país. Ana citou ainda como exemplo a instalação de duas usinas fotovoltaicas que, associadas a um sistema de armazenamento, atendem à ilha de Fernando de Noronha e ajudam a diminuir a dependência da geração com biodiesel – projeto que também tem a parceria do Lactec.
Tendências tecnológicas globais
Na primeira parte do evento, o diretor técnico da consultoria PSR, Bernardo Bezerra, fez uma palestra dando um panorama dos compromissos assumidos por grandes empresas ao redor do mundo para a descarbonização da economia e como isso impacta no aumento da inserção de fontes renováveis – especialmente solar e eólica – na matriz elétrica global. Aliada a esse movimento, a expansão dos recursos energéticos distribuídos, como geração distribuída e sistemas de armazenamento, segundo ele, também tem provocado uma transformação significativa no mercado de energia, na medida em que permitem uma resposta automatizada à demanda, dando mais flexibilidade aos sistemas elétricos.
Para Bezerra, a tendência é que o mercado de energia seja cada vez mais incerto e complexo para todos os agentes e que integração, flexibilidade e um sistema mais adaptável serão os atributos chave para o futuro. “A modernização [do setor elétrico] é uma oportunidade para o Brasil continuar sendo protagonista de uma economia de baixo carbono, com energia limpa e competitiva, e a inovação terá um papel chave para a gente conseguir reduzir os custos de produção no país”, destacou o especialista.
Governança da inovação
A chefe da Assessoria Especial em Assuntos Regulatórios da Secretaria-Executiva do MME, Agnes Maria de Aragão da Costa, defendeu durante o debate a criação de uma “estrutura de governança” para identificar as prioridades e gerir as políticas de inovação no país, de forma sistematizada, mais assertiva e com foco em resultados. Ela relatou que já há uma articulação entre o MME, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e atores que trabalham com tecnologia no setor energético para criar uma espécie de comitê consultivo e câmaras temáticas, a exemplo do que foi feito para a Indústria 4.0. Essa proposta ainda está pendente de formalização, o que se daria por meio de decreto presidencial.
“Impossível, hoje, falar em desenho de mercado sem olhar para essa questão da inovação e da tecnologia. Estamos em um setor de energia que, historicamente, era indústria de rede, era infraestrutura, e vemos como isso tem mudado e aberto possibilidades para novos serviços e novos negócios. A gama de agentes e stakeholders com os quais estamos lidando para desenhar uma política pública ampliou enormemente. Esse futuro vai ser tão rico em possibilidades, que é muito evidente que a gente tenha que focar em resultados”, afirmou Agnes, referindo-se à pauta de modernização do setor.
Os dois webinars promovidos pelo Lactec e Deode reuniram importantes agentes do setor elétrico – tanto de órgãos reguladores e de planejamento como das concessionárias – para debater o papel da pesquisa e desenvolvimento e eficiência energética no desenvolvimento tecnológico do mercado de energia. Os eventos tiveram o apoio da Associação Brasileira de Instituições de Tecnologia e Inovação (Abipti) e da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco).