MAURÍCIO GODOI, DA AGÊNCIA CANALENERGIA, DE SÃO PAULO (SP)
Desde o dia 5 de julho o Brasil passou a contar com a nova tecnologia de telecomunicação conhecida como 5G. A capital federal, Brasília, foi a primeira a ter a sua disposição a infraestrutura para acessar internet móvel de altíssima velocidade e grande capacidade de transporte de dados. Um mês depois foi a maior cidade do país, São Paulo. Segundo o cronograma da Agência Nacional de Telecomunicações, progressivamente as operadoras deverão atender até 31 de dezembro de 2029 todos os municípios do país, entre outras metas estabelecidas no leilão realizado em novembro de 2021.
A chegada dessa nova tecnologia sempre foi apontada como uma das formas de viabilizar novos serviços e possibilidades ao setor elétrico. Isso porque, segundo a Anatel, diferentemente das mudanças nas gerações passadas (2G, 3G e 4G), o foco desta tecnologia não está somente no incremento de taxas de transmissão, mas também na especificação de serviços que permitam o atendimento a diferentes aplicações.
A tecnologia 5G promete massificar e diversificar a Internet das Coisas (IoT) em setores como segurança pública, telemedicina, educação à distância, cidades inteligentes, automação industrial e agrícola – entre outros. No decorrer de sua implantação, deverão ser desenvolvidas aplicações que aproveitem o potencial tecnológico das novas redes para introduzir serviços que ampliem a eficiência dos mais diversos setores da economia. A agência reguladora aponta que o 5G vai consolidar e diversificar conceitos como Internet das Coisas e machine learning em tempo real, “promovendo uma verdadeira transformação na forma como as pessoas e organizações se relacionam”.
O potencial é grande, mas a realidade de sua aplicação ao setor elétrico ainda aparenta estar longe porque a disponibilidade desta tecnologia começa a engatinhar por aqui. Ainda que tenhamos algumas cidades que experimentem o 5G na telefonia móvel, mesmo esse alcance está restrito. Uma parte deve-se ao fato do início recente de sua implantação, mas também por conta da mudança de legislação para a instalação de antenas.
Segundo o Movimento Antene-se, criado em 2021 por entidades de diversos setores para incentivara atualização das leis de antenas das grandes cidades brasileiras, entre elas a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações (Abrintel), as regras de implantação do 5G no Brasil tornam a meta de levar os serviços de telecomunicações a localidades afastadas e trechos de rodovias ainda descobertos muito mais desafiadora dado o arcabouço legal que regula a implantação da infraestrutura de suporte para as antenas e têm base nas normas de ocupação de solo das cidades brasileiras.
A entidade explica que a principal barreira à implantação está nas leis municipais, classificadas como anacrônicas ou mal formuladas. As regras de instalação estão condicionadas a parâmetros urbanísticos chamados de irrazoáveis. Entre elas, estão normas que tratam antenas como edificações, em lugar de equipamentos, impõem distanciamentos injustificáveis das antenas e processos morosos e burocráticos de licenciamento. Essas regras, continua, carecem de embasamento técnico e dificultam ou embargam a instalação de novos equipamentos. Em quatro meses desde o início da implantação da tecnologia, calcula o Movimento, apenas 209 cidades possuíam legislação atualizada para receber o 5G.
Apesar de abrir possibilidades com a Internet das Coisas, a avaliação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica é de que ainda é uma perspectiva de futuro que continua promissora, mas que não está sendo colocada em prática. Entre os motivos está o fato de que a modernização de redes inteligentes acontecer em ritmo lento e a necessidade de amortização de investimentos no modelo tarifário atual não incentivar esse aporte.
Segundo Ricardo Brandão, diretor de Regulação da Abradee, tem o ponto que a Agência Nacional de Energia Elétrica não entende como investimento prudente. O aporte só vira tarifa quando reduz os custos da operação da rede. O investimento que torna a rede mais moderna aumentaria a tarifa.
Brandão lembra que a Abradee possui um projeto com a agência norte americana USTDA para a modernização de redes com smart grids comparando diversos modelos no mundo para trazer à Aneel alternativas e ferramentas dessa análise, do custo-benefício de modernizar a rede e que o investimento seja aceito pelo regulador. A ideia é a de apontar quantos medidores inteligentes possam ser colocados, determinar a forma para que efetivamente gere benefício para a qualidade e a gestão sem que implique em impacto na tarifa.
“Isso depende das diferentes áreas de concessão, se faz sentido ou não, nas mais densamente povoadas, como centros urbanos deve fazer mais e nas rurais, menos sentido”, destaca o executivo.
Para ele, a modernização só não ocorre com o atual nível de equipamentos de Telecom por causa dessa limitação do reconhecimento dos investimentos das concessionárias. “Não podermos limitar todo o investimento em redes inteligentes a medidores, mas esse é o exemplo do desafio que enfrentam as distribuidoras. O estudo que apresentamos na tomada de subsídios 11 do ano passado era mais no sentido de como seria um programa de roll out massivo. A conclusão era a de que não faria sentido porque aumenta tarifa, terá que ser analisada por concessão e região. Mediante a análise positiva de custo-benefício, do outro lado, se for negativo não é viável. Precisamos lembrar que o medidor eletrônico tem vida útil de 20 anos, o inteligente é de 8 anos, obviamente não faz sentido para todos”, explicou.
“Perspectiva com o 5G é promissora, mas a regra atual para reconhecimento do investimento ainda é um problema para avançar na modernização.”
Ricardo Brandão, da Abradee
Independente dessa questão do investimento, Brandão destaca que daqui a cinco ou 10 anos a tecnologia será fundamental para que a modernização do setor elétrico ocorra e traga efetivamente a redução de custos. É tão importante quanto a metodologia que a Aneel trará para a avaliação da escala e velocidade adequada para incentivar as distribuidoras a investir, principalmente em ferramentas de combate a perdas técnicas e comerciais, entre outra infinidade de aplicações. Até porque a concessionária terá seu papel no futuro de ser gestora de rede com o avanço da abertura de mercado.
A questão do reconhecimento de investimentos também foi apontada pela consultora de Assuntos Estratégicos da PSR, Ângela Gomes. Em sua análise essa questão da regulação quanto aos reconhecimentos de investimentos acaba desincentivando os aportes. “Um medidor inteligente tem vida útil de 12 anos, se ele for reconhecido daqui a 5 anos que é o tempo do ciclo tarifário, por exemplo, já vai estar valendo 50% do seu valor original. Isso traz uma perda econômica muito grande para as concessionárias”, destaca.
Além disso, ela relaciona por exemplo outros desincentivos como em outros serviços que tem 60% da receita bruta de serviços destinados à modicidade tarifária. Segundo seus cálculos, isso leva a uma margem negativa caso sejam aplicados recursos. E ainda, cita a questão da tarifa volumétrica como outra que acaba levando ao desincentivo à eficientização junto aos consumidores. “A Aneel precisa trazer as distribuidoras para discussão desses pontos”, sugere.
A resposta da demanda é uma das possibilidades bem reais, inclusive para a baixa tensão, quando o 5G chegar de verdade ao setor elétrico. Mas nesse ponto ter a medição é importante para entender o comportamento do consumidor, nível de modulação da carga entre outros pontos. Ela chama a atenção para o papel importante que os medidores inteligentes terão com o avanço da micro e minigeração distribuída e ainda os serviços proporcionados com a análise de dados. Ela exemplifica a possibilidade de ter uma massa de informações de cada unidade de consumo que antes era de um dado por mês para algo como 8.640 dados para cada unidade em caso de medição a cada 5 minutos.
Para a executiva, a rede 5G proporcionará a velocidade para a transmissão desses dados, a gestão da rede inteligente com adoção de milhares de sensores em toda a rede, bem como ter a informação em tempo real para atender e adequar a carga com a MMGD e sua variabilidade natural. A mobilidade elétrica é outro fator que deve levar a uma necessidade de uma rede mais capaz de transformar dados em informações. Por isso, segregar a comercialização da distribuição é importante e está no PL 414, que trata da modernização do setor elétrico e que está na Câmara dos Deputados desde meados de fevereiro.
“A rede 5G proporcionará a velocidade para a transmissão dedados, gestão da rede inteligente com adoção de milhares de sensores, bem como ter a informação em tempo real para atender e adequar a rede e a carga com a MMGD.”
Ângela Gomes, da PSR
Ângela, da PSR, lembra que o Brasil possui cerca de 1 milhão de medidores inteligentes diante de um universo de 88 milhões de unidades consumidoras. A maior parte está em clientes de alta tensão que já possuem a telemedição. Na baixa tensão apenas projetos pilotos contemplam essa solução. Exceção está no Rio de Janeiro onde o dispositivo é usado no combate a perdas, tanto na Light quanto na Enel. No mundo há 800 milhões de dispositivos que já estão em operação.
A tendência é de aumentar o volume desses equipamentos. O preço vem caindo, era de US$ 200 a unidade e hoje está na casa de US$ 50. Mas esses equipamentos não estão restritos a medição remota, há possibilidades que passam por corte e religação, verificação de falhas no fornecimento e consequentemente melhoria na qualidade do serviço ao consumidor tendo como contrapartida a melhoria dos indicadores junto à Aneel de DEC e FEC. Permite ainda uma tarifação dinâmica, fato que não temos atualmente e sinal de preço horário. “A consequência disso é termos uma melhor gestão dos recursos energéticos que o país possui”, sinaliza.
Luciano Carstens, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Lactec, aponta que na questão da telemedição, o problema está em como realizar essa ação sem a comunicação que consiga atender a essa demanda. Ele explica que a rede 5G tem faixas de frequência 100x mais rápidas que o 4. Outro fator que proporciona essa viabilidade técnica na nova tecnologia é que o 4G permite algo como 10 mil dispositivos conectados por km², já quando se fala no 5G há um salto na quantidade para 1 milhão de dispositivos móveis simultaneamente conectados.
“A nova tecnologia resolve a questão de termos uma rede mais inteligente pois a capacidade de conexão múltipla permitirá que tenhamos mais sensores e aparelhos de comunicação em uma mesma área e com maior capacidade de transmissão de dados”, define o executivo.
No setor elétrico ter o 5G pode significar a viabilização de redes inteligentes, a conhecida smart grid que no Brasil está restrita a projetos pontuais. Com o tempo poderemos ver a aplicação não apena sem redes de distribuição, mas até mesmo nas residências. As casas conectadas podem traçar o consumo em tempo real com monitoramento dos equipamentos e outras funcionalidades. Mas isso ainda deverá demorar um pouco a acontecer.
Para empresas poderemos ver mais inteligência em atividade com realidade virtual para orientar e atuar em um problema real ou em treinamentos. Pois outra característica da rede futura é a baixa latência. Com isso a informação e a imagem serão de alta qualidade. Casrtens lembra que o Lactec inclusive está terminando um projeto de monitoramento por imagens de subestações como parte do processo de digitalização do setor. Ele explica que a ideia é a de monitorar usando a inteligência artificial, entender e aprender o que acontece nesse ativo.
Mas, alerta que o planejamento é importante na definição dos investimentos para formar a rede porque a distância entre as antenas é menor do que a do 4G bem como as áreas de sombra e perda da conectividade.
“No 4G tínhamos 10 mil aparelhos conectados por km² no5G esse número salta para 1 milhão de dispositivos.”
Luciano Carstens, do Lactec
Convivência em harmonia
Apesar de todas as perspectivas que o 5G trará ao país, tecnologias já consolidadas ainda vão permanecer. Entre elas está a do rádio de comunicação em rede privada, que já fazem parte da vidadas empresas do setor elétrico e que possuem confiabilidade. Uma das fornecedoras dessa solução é a Motorola Solutions. O diretor de Vendas, Alexandre Giarola, conta que apesar de ter chegado às 5 décadas de uso, o rádio ainda possui bastante espaço no setor elétrico, mesmo diante da chegada desse primo de segundo grau que é o 5G.
Ele cita que a confiabilidade e disponibilidade da rede, principalmente em operações críticas é fundamental. Como por exemplo, quando se atua com uma linha energizada e que envolve vidas humanas. O despacho de equipes e sua localização, comandos que precisam ser dados em momentos que não pode ocorrer falhas.
“Se você está passando o cartão em uma máquina para pagar uma conta e a comunicação falha, você refaz a operação. Quando se trata de linhas energizadas essa falha não pode acontecer, é importante ter a certeza de que o comando foi dado e executado”, comparou. “Quando a comunicação não pode falhar, a rede privada é importante para que não haja erro de informação”, acrescentou.
No setor elétrico, comentou Giarola, grandes grupos usam as soluções da Motorola até pelo fato de sermos um país com dimensões continentais e nem sempre há uma operadora de celular, principalmente em regiões mais remotas.
Uma das empresas que utilizam produtos da Motorola – entre outras soluções – é a Neoenergia. A empresa que atende a cerca de 16 milhões de consumidores no país concorda com a afirmação deque o 5G não deverá substituir o rádio. Na verdade, o superintendente de smart grids da empresa, Ricardo Leite, diz que o setor conviverá com sistemas híbridos justamente pela amplitude de área a ser coberta e pela especificidade de cada parte da operação de uma empresa.
De acordo com o executivo, com a tecnologia atual seria possível sim aplicar medidores inteligentes na rede. A capacidade de transmissão de dados também. “Hoje temos cerca de 450 mil medidores instalados, tanto em clientes de alta tensão quanto em regiões classificadas como complexas. Se fôssemos instalar esses equipamentos em toda a nossa base de clientes consumiríamos toda a rede de celular”, compara Leite.
“Ainda há bastante espaço para o rádio que tem 50 anos de uso. Mas as tecnologias vão conviver porque cada uma tem seu propósito específico.”
Alexandre Giarola, da Motorola Solutions
Com o 5G o uso massivo se tornaria mais comum. Mas com a construção de uma rede privada também poderia ser a alternativa. E não só, por conta das características de uma área de concessão tão ampla que vai desde grandes áreas de concentração populacional a grandes distâncias, a resposta não está em uma única alternativa. Ele conta a experiência da empresa iniciada em 2018 no município de Atibaia (SP), lançada durante a Futurecom de 2018, evento da Informa Markets, controladora do CanalEnergia.
“Esse projeto mostrou que redes multisserviços são vantajosas para regiões com grande concentração urbana, traz bastante eficiência. Esse pode ser o caminho”, avalia. “Por lá montamos uma rede própria 4G com 75 mil medidores e uma rede multisserviços, com rádios para falar com equipes”, acrescenta. Em regiões como Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte a empresa possui infraestrutura VHF com repetidores ao longo do estado. Mas ainda usa redes públicas de celulares quando disponíveis.
Ele cita que o grande problema na troca dos medidores além do custo é a falta de definição de um padrão. Além disso, se houve uma mudança no nível de exigência de velocidade e aplicação de outras ferramentas com base em IoT o caminho seria o 5G por conta da sua capacidade de conectividade.
Em termos de regulação ele aponta que esse tema está caminhando no sentido da modernização do setor elétrico. Mas é preciso um norte para as empresas terem o direcionamento correto uma vez que o investimento acaba refletindo na tarifa. Inclusive, a empresa aponta que o estabelecimento deum padrão mínimo, como o feito na Espanha, local de origem da Iberdrola, controladora da Neoenergia, pode ser um caso de benchmark a se usar por aqui.
“A experiência da Espanha em termos de definição de tecnologia que permitiu o rápido avanço dos medidores inteligentes por lá poderia servir de exemplo para nortear o processo no Brasil”.
Ricardo Leite, da Neoenergia
Avanços da regulação
Como apontado pelas fontes ouvidas, ainda há pontos importantes a evoluírem na regulação. Nesse sentido, na Aneel ainda não há nenhuma iniciativa direcionada ao 5G em termos de regulação. Contudo a agência reguladora colocou em consulta pública sua agenda de temas para o biênio 2022 a2023 onde há entre os assuntos a serem abordados itens que podem ser relacionados com a nova rede, o de nº 1 refere-se à modernização da REN 482/2012 que trata da geração distribuída, o 11 está relacionado à prestação e remuneração de serviços ancilares no SIN, já o 16 tem como meta aprimorar a Resolução Normativa que trata da comercialização varejista, sob a ótica da abertura de mercado (flexibilização dos requisitos de migração para o ACL) e da viabilidade de agregação dedados de medição.
E ainda, no 21, o tema é a modernização das tarifas de distribuição, no 26 a ideia é a de executar o plano de trabalho das atividades para transição energética e modernização no segmento de distribuição que é bastante similar ao 28 que tratará da medição. São temas que estão em debate e que os especialistas ouvidos indicaram de certa forma terem algum ponto de relação com a nova rede de telecomunicações que se aproxima.
Fonte: Modernização do Setor com o 5g ainda demora. CanalEnergia, 04/11/2022. Disponível em: www.canalenergia.com.br/