A geração solar fotovoltaica vem conquistando mais espaço na matriz elétrica brasileira e, na esteira desse crescimento, novas alternativas tecnológicas para o melhor aproveitamento da fonte estão sendo estudadas no país. Uma das frentes de pesquisa propõe a instalação de usinas fotovoltaicas flutuantes em áreas alagadas para avaliar o desempenho e eficiência das plantas, além de eventuais impactos ambientais.
No Sul do Brasil, a primeira usina fotovoltaica flutuante a entrar em operação em reservatório de usina hidrelétrica integra um projeto coordenado pelo Lactec, no âmbito do Programa de P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e está instalada no reservatório na Usina Hidrelétrica (UHE) Santa Clara (120 MW), no Sudoeste do Paraná. O empreendimento pertence à Elejor, Sociedade de Propósito Específico (SPE), na qual a Copel é sócia majoritária.
A Ilha Solar Flutuante é composta por 276 módulos fotovoltaicos, sobrepostos em uma estrutura metálica flutuante, com potência instalada de 100,7 kilowatts-pico (kWp), ocupando uma área de 1,1 mil metros quadrados. A usina é conectada a um eletrocentro, em solo, onde ficam abrigados os inversores, que convertem a corrente elétrica, de contínua para alternada, e entregam a energia a uma rede de média tensão de 34,5 quilovolts (kV). A energia gerada atende ao consumo da própria hidrelétrica.
A rede de comunicação já existente na UHE Santa Clara também pôde ser aproveitada para fazer o monitoramento contínuo e remoto da geração da ilha. Já para garantir a manutenção, a estrutura flutuante dispõe de uma área de atracagem para embarcação e passarelas que possibilitam o acesso aos módulos para limpeza, substituição ou reparo de componentes.
Desafios técnicos
A Ilha Solar Flutuante está ancorada a uma distância de aproximadamente 250 metros da margem da represa. Foi justamente esse o principal desafio técnico do projeto. O lago apresenta variações de até 20 metros no nível da água e o sistema de ancoragem tinha que ser capaz de acompanhar essas oscilações.
O mecanismo dinâmico de ancoragem é uma das importantes contribuições da pesquisa, pois a variação de cota é uma situação comum aos reservatórios de hidrelétricas, que deve ser considerada nos projetos de implantação de usinas solares flutuantes, tanto para preservar a integridade das estruturas como para assegurar o bom desempenho da geração.
O projeto de P&D contemplou um estudo comparativo da eficiência de geração com três diferentes arranjos dos módulos fotovoltaicos, que foram instalados na cobertura do eletrocentro: um totalmente plano, um inclinado e outro com rastreador solar. O sistema com rastreamento apresentou uma eficiência superior aos demais, mas há outros aspectos a serem considerados para a instalação do tracker em usinas flutuantes para avaliar sua efetividade, que são o peso adicional e o consumo de energia do próprio equipamento.
Potencial e vantagens
O potencial técnico de geração fotovoltaica flutuante no Brasil pode chegar a 4,5 terawatts-hora/ano, segundo informações do Plano Nacional de Energia (PNE) 2050. Apenas a título ilustrativo, esse potencial supriria quase 1% do consumo do país durante um ano inteiro, usando como referência os 474,2 TWh consumidos em 2020 (dados da Empresa de Pesquisa Energética – EPE).
Para o coordenador do projeto pelo Lactec, Kleber Franke Portella, uma das vantagens das usinas solares flutuantes em relação às instalações em terra é dispensar investimentos em aquisição e adequações da área, como terraplenagem e corte de vegetação, segurança para transeuntes e contra furtos e vandalismo, além de se evitar o uso de áreas que poderiam ser destinadas a outras atividades econômicas, como agricultura, por exemplo.
No entanto, o pesquisador pondera que há fatores importantes a serem observados nas estruturas flutuantes para mitigar eventuais impactos ambientais nos ecossistemas dos reservatórios hídricos. O sombreamento causado pelos módulos fotovoltaicos é um deles. “Um dos desafios da pesquisa foi projetar a usina de modo a propiciar uma maior transferência de luz e favorecer a oxigenação ao meio aquático, mantendo o equilíbrio do sistema”, acrescentou.
Outro ponto de atenção, segundo Portella, são os impactos ambientais inerentes a esse processo de geração de energia, que são os materiais utilizados, sua vida útil, além da interferência visual e socioambiental, pois poderá impactar as atividades de lazer, como banho e pesca esportiva, no local de instalação da usina.
Ainda de acordo com Portella, uma das vertentes da pesquisa teve o objetivo de avaliar a instalação de recifes artificiais fluviais junto à estrutura flutuante da ilha solar para servir de habitat para a ictiofauna do reservatório. A expectativa é dar continuidade e avançar nesses e em outros estudos relativos, também, à qualidade da água.